O
Poder Judiciário é o guardião dos direitos e garantias
fundamentais que são assegurados ao cidadão, como o direito à
vida, à liberdade, à segurança, à propriedade. O art. 5º,
caput, da CF, não faz qualquer distinção entre o brasileiro
(nato ou naturalizado) e o estrangeiro residente no país, que em
caso de lesão ou ameaça a direito, com fundamento no art. 5.º,
inciso XXXV, da CF, poderão buscar a prestação jurisdicional e
invocar inclusive os instrumento internacionais que foram
subscritos pelo Brasil, como Convenção Americana de Direitos
Humanos e Declaração Universal de Direitos da ONU.
Em
1808, a família real portuguesa por motivos de ordem política
deixou a cidade de Lisboa e se transferiu para o Rio de Janeiro,
centro econômico da Colônia. Ao chegar no Brasil, D. João VI
entendeu que era necessário organizar uma estrutura
administrativa em sua nova sede. No dia 01.º de abril de 1808,
por Alvará com força de lei, criou o Conselho Supremo Militar e
de Justiça. (MIGUEL, Cláudio Amin, COLDIBELLI, Nelson. Elementos
de Direito Processual Penal Militar. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000. 223p).
O
Alvará Régio assinado por D. João VI criando o Conselho Militar
significou para o Brasil-Colônia, que havia sido elevado a
categoria de Reino Unido, a instituição do primeiro Tribunal
responsável pela aplicação da Justiça aos militares, responsáveis
pela segurança da família real e do território.
Após
quase duzentos anos de prestação jurisdicional, determinados
setores da sociedade questionam a existência da Justiça Militar,
que é um Tribunal Constitucional desde 1934. A globalização e
as reformas do Estado teriam como conseqüência a extinção de
alguns órgãos do Poder Judiciário, na busca da racionalização
de recursos.
O
debate sobre a extinção da Justiça Militar tem se limitado a
questões relacionadas com a Justiça Militar dos Estados-membros
da Federação. A
Justiça Militar da União não se encontra na relação das Justiças
Especializadas que deveriam ser extintas em nome das reformas do
Estado. A melhoria dos serviços prestados à população em
atendimento ao art. 37, caput, da CF, princípio da eficiência, não
significa necessariamente a extinção de órgãos jurisdicionais.
O
servidor militar que poderá ser julgado pela Justiça Militar
divide-se em duas categorias: a) servidores militares estaduais,
art. 42, da CF, que são os integrantes das Forças Auxiliares
(Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares; b)
servidores militares federais, art. 142, da CF, que são os
integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica).
Por força desta divisão, a Justiça Militar divide-se em Justiça
Militar Estadual e Justiça Militar Federal.
O
art. 125, §§ 3.º e 4.º, da CF, cuida da competência da Justiça
Militar Estadual, que é formada em 1.ª instância pelos
Conselhos de Justiça (Especial e Permanente), com sede em uma
auditoria militar, e em 2.ª instância pelos Tribunais de Justiça
Militar, que existem nos
Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e nos
demais Estados pelos Tribunais de Justiça, que poderão instituir
uma Câmara Especializada para julgar a matéria em atendimento a
Lei de Organização Judiciária.
Em
atendimento ao art. 125, § 4.º, CF,
nenhum civil em tempo de paz é julgado pela Justiça
Militar Estadual, que não possui competência para fazê-lo.
Segundo a norma mencionada, "Competente a Justiça Militar
Estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros
militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao
tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente
dos oficiais e da graduação das praças”.
Por
disposição do art. 125, § 3º, da CF, se um civil ingressar em
uma Organização Policial Militar (OPM) e ali praticar um crime,
ou ocasionar um dano à administração pública militar, será
julgado perante a Justiça Comum. A Justiça Militar Estadual não
possui competência para julgá-lo, sendo sua atribuição julgar
os policias militares e bombeiros militares nos crimes militares
definidos em lei.
Deve-se
observar, que se este mesmo civil ingressar em uma organização
militar (OM) pertencente a uma das Forças Armadas, e ali praticar
um crime, ou um dano aos bens da administração pública militar
federal, mesmo que em tempo de paz, por força do art. 124 da CF
será julgado na Justiça Militar Federal. Nas discussões em
termos de modificações da estrutura do Poder Judiciário não
se mencionada a extinção desta Justiça Especializada. Além
desta competência, antes do advento da CF de 1988, a Justiça
Militar Federal julgava os civis incursos nos crimes previstos na
Lei de Segurança Nacional, como ocorreu no período de 64-87.
Atualmente esta competência foi transferida para a Justiça
Federal.
A
Justiça Militar da União é constituída na 1a instância
pelos Conselhos de Justiça (Especial e Permanente) com sede em
uma auditoria militar. A 2ª instância é representada pelo
Superior Tribunal Militar –STM, que é o órgão responsável
pelo julgamento dos recursos provenientes da
1.ª instância e pelas matérias que constam de sua competência
originária, em atendimento a Lei de Organização Judiciária
Militar Federal.
A
Justiça Castrense não é uma criação brasileira e existe em
Estados desenvolvidos como Estados Unidos da América, Israel,
Portugal, entre outros, com procuradorias militares, advogados
militares, que integram os quadros das Forças Armadas, e exercem
atividades que lhe são peculiares. A maioria dos estudantes de
direito e alguns operadores da ciência jurídica desconhecem a
existência do Código Penal Militar, Código de Processo Penal
Militar, Estatuto dos Militares, e demais textos legais da vida
militar, sendo que estas matérias nem mesmo constam da grade
obrigatória das faculdades.
Em
decorrência da particularidade das funções desenvolvidas pelos
militares nada mais justo que estes sejam julgadas por pessoas que
conhecem o dia-a-dia da atividade militar, o que leva a existência
dos chamados Conselhos de Justiça, que são órgãos colegiados
formados por civis e militares. O civil que compõe o Conselho de
Justiça é o auditor militar que foi provido no cargo por meio de
concurso de provas e títulos, e os militares são oficiais da Força
a qual pertence o acusado, que exercem suas funções junto às
auditorias por um período de três meses, sendo que cada Conselho
possui um juiz militar e quatro oficiais, sendo presidido pelo
militar de maior patente.
Ao
contrário do que se possa pensar, a Justiça Militar é uma Justiça
eficiente que busca a efetiva aplicação da lei, buscando evitar
que o infrator volte a cometer novos ilícitos, ou venha a ferir
os preceitos de hierarquia e da disciplina, que são os elementos
essenciais das Corporações Militares. A especialidade da Justiça
Militar (estadual ou federal) é decorrente das atividades
constitucionais desenvolvidas pelo militares.
A
Constituição Federal determina que a Justiça Militar julgue os
crimes militares definidos em lei, que podem ser divididos em
crimes militares próprios e impróprios. O que poderia ser
questionado quanto a competência
desta Justiça
Especializada seria
o seu afastamento para
o
julgamento
dos crimes militares impróprios, ou seja, àqueles que também se
encontram previstos no
Código Penal comum. Nos crimes contra a vida, onde a vítima seja
um civil, por força de Lei Federal a competência foi transferida
para a Justiça Comum.
O
inquérito policial instaurado para apurar o crime contra à vida
praticado por militar contra civil será da competência da
Polícia Judiciária Militar, que ao final da apuração remeterá
os autos ao Ministério Púbico Comum para que este após a análise
das provas e do relatório elaborado pela autoridade policial
militar possa oferecer a ação penal, requerer novas diligências
ou se for o caso pleitear o arquivamento na forma do Código de
Processo Penal.
A
discussão é uma das qualidades do Estado democrático de
Direito, a via que fortalece as instituições e conduz ao
aprimoramento dos órgãos existentes, mas é necessário que esta
seja feita de forma tranqüila, sem buscar atender a um discurso
meramente reformador ou a uma determinada tendência. Há mais de
100 (cem) anos, a Justiça Militar Federal vem exercendo seu papel
jurisdicional, prevista desde 1934 nas Constituições que foram
promulgadas ou outorgadas no país.
A
extinção dos juízos e tribunais militares poderá conduzir ao
caos, uma vez que existem matérias que são peculiares a vida
militar, como insubordinação, abandono de posto, deserção,
motim, delito do sono, e outras, previstas no Código Penal
Militar. Com relação a extinção da Justiça Militar Estadual,
que é competente para julgar os policias militares e bombeiros
militares, seria necessário a extinção das Polícias Militares
criadas em 1831 por ato do então regente Padre Diogo Antônio
Feijó, o que não significa a melhoria ou o aprimoramento do
sistema de segurança pública.
No
Brasil por força de sua própria formação histórica assim como
ocorre na França, Itália e outros países, se faz necessário a
existência de uma força policial com estética militar, e
atividades voltadas para o policiamento ostensivo e preventivo, e
nada mais justo que no exercício de suas funções esses agentes
sejam julgados por uma Justiça Especializada.
A morosidade que também existe na
Justiça Castrense poderá ser encontrada em qualquer outra Justiça
Especializada, Federal, Trabalhista ou Eleitoral, pois se deve a vários
fatores, como o número de processos, a falta de estrutura
material, a falta de funcionários, e o número limitado de juízes.
A
questão da existência de impunidade nesses tribunais não condiz
com a realidade. A análise dos processos julgados nas auditorias
militares leva a conclusão que várias pessoas foram condenadas
por violarem as disposições do Código Penal Militar. Portanto,
ao invés de se discutir a extinção da Justiça Militar Estadual
deveria se proceder a uma revisão em sua competência, deixando
em suas atribuições apenas os crimes propriamente militares,
remetendo-se os impróprios para a Justiça Comum.
PAULO TADEU RODRIGUES ROSA, é advogado em Ribeirão Preto, professor de Direito Penal
e Processo Penal no Centro Universitário Moura Lacerda,
especialista em direito administrativo pela Unip - Câmpus Ribeirão
Preto, mestrando em direito administrativo pela Unesp- Câmpus de
Franca, Membro Titular e Secretário Geral da Academia Ribeirãopretana
de Letras Jurídicas, Membro Correspondente da Academia Brasileira
de Letras Jurídicas. E-mail : pthadeu@universe.com.br
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