Vive-se, no Brasil, uma recrudescente insegurança ou falta
de segurança pública; fato disseminado pela mídia, além de. sentida e reclamada
por todos os segmentos da sociedade, devido ao vertiginoso aumento da escalada de
violência, que, a cada dia, revela-se multivariada e perversa, excedendo aos limites da
razoabilidade, suportabilidade e aceitabilidade dessa sociedade e que o termômetro
social - Polícia -, não tem conseguido avaliar, controlar e evitar. Essa
é a imagem passada pela mídia em relação à conjuntura atual. Além de se atribuir à
Polícia Militar a responsabilidade maior, aduzindo ineficiência e ineficácia nesse combate.
Entrementes, é
ressabido que a efetividade desse controle independe apenas e tão-só da PM, porquanto
suas causas não resultarem só e apenas da falta de policiamento ostensivo, posto que
este controla e evita (ou pelo menos tenta evitar) as conseqüências delituais e
infracionais e não suas causas, como ressabido e público. Estas têm origem noutros
fatores e aspectos, como se verá de ver neste, ainda que de modo do perfunctório.
Uma conjuntura que
se define, resumidamente, na frase de Jeffrey Sachs - economista norte-americano-, qual
seja: "Estado desorganizado; crime organizado!". E, nesse sentido, a PM
não representa e não é o Estado; ela é apenas instrumento e manifestação deste,
mediante o exercício do seu poder polícia. É, pois, o "braço
armado e forte" de que dispõe o Estado por intermédio do Poder Judiciário -
como sistema de controle criminal e social - na prossecução e consecução de seus fins:
bem estar o bem comum.
Ademais,
ressalte-se que segurança não pode ser mensurada, alcançada e, concretamente, refletida
pelos frios dados estatísticos. Ela é invisível, intocável, amorfa e inodora, posto
ser sensitiva (psicológica). "E segurança é estado de espírito(...)que nada
mais é do que segurança-psicológica."[1], que se manifesta na percepção
individual do cidadão, portanto, no campo das idéias, na psique - do
homem/indivíduo, com reflexos no imaginário coletivo, no grupo social - sociedade
in totum. É, lato sensu, um estado sensitivo de bem-estar que influi no
coletivo(bem comum). Daí ser objeto finalístico do Estado e não só da Polícia
Militar.
Destarte,
ressabido é, portanto, que os assaltos, assassinatos, chacinas, extermínios, mortes nos
acidentes de trânsito, o crescente estado de pobreza e a miséria, que conduzem à
favelização das urbes, o menoscabo ao problema dos meninos e meninas de rua e das ruas,
o descaso ao presente e ameaçador crime organizado do tráfico de drogas, entorpecentes e
armas, não podem ser considerados normais, pois refletem a desorganização do Estado e
descaso dos governos na solução e/ou minimização desses problemas, os quais, aliados,
à má distribuição de rendas, à perversa concentração de riquezas nas mãos de
poucos e a conseqüente falta de terras produtivas, têm sido as causas dessa gigantesca
onda de violência.
A violência é
manifestada, principalmente, na área urbana das grandes capitais, está no centro da vida
quotidiana, consoante tem sido amplamente divulgada pelos principais meios de
comunicação de massa. Ela é ameaçadora, progressiva e geradora de uma profunda sensação
de insegurança. Essa evolução é sintomática de uma perversa distribuição de
rendas e de terras produtivas, de uma desintegração social, de um mal-estar coletivo, de
uma desmoralização das instituições públicas e das polícias que se destinam ao seu
controle e combate.
O Brasil é,
dentre os países da América Latina de colonização européia (lusitana), o mais
atingido pela criminalidade de sangue, o que se é divulgado é apenas uma ponta do iceberg,
porquanto há a violência oculta atrás das paredes dos lares, a violência sexual, rixas
de famílias e agressões às crianças; circunstâncias de mortes sufocadas sob os mantos
do silêncio e da impunidade.
A violência gera
o medo, que por sua vez gera também a violência, resultando na máxima: violência
só gera violência; é, pois, um círculo vicioso que se instala, uma verdadeira
psicose coletiva ascendente à neurose ou à síndrome do medo, é preciso um esforço
hercúleo para romper esse círculo, bem como também o efetivo combate aos nefastos
aproveitadores desse clímax, que fazem verdadeiros lobbies da segurança,
que resulta na proliferação das empresas de segurança, das guardas
particulares, dos leões de chácaras, companhias de seguros, esquadrões da
morte, grupos de justiceiros, etc., aliados à corrução, impunidade e corporativismo dos
organismos policiais que neutralizam a efetividade da eficiência e eficácia desse
controle e desse combate.
A intensidade da
violência passa a ser ao mesmo tempo uma causa e uma conseqüência dessa falta de
civismo. Há, assim, uma verdadeira "obsessão de insegurança que envolve os
habitantes das grandes cidades brasileiras", no dizer de JEAN-CLAUDE CHESNAIS[2],
que assevera e acrescenta:
"No coração de São Paulo, as residências com sistema de
segurança, cercadas por altas grades, protegidas por vigias, são sinais da desconfiança
das classes burguesas contra as classes perigosas; tudo se passa
como se os brancos procurassem reviver os feudos europeus, evitando contato com os
descendentes de escravos chegados aos milhões, como imigrantes fugindo da miséria do
Nordeste."- grifos do Autor;
"[...] Em 1989, o número oficial de pessoas mortas por
homicídios em todo o Brasil atingia 28.700, taxa correspondente duas vezes superior à
dos Estados Unidos; desde então, a deterioração prossegue. Levando em consideração a
imprecisão das estatísticas, o número real de vítimas de homicídios é atualmente
(1995) da ordem de 35.000 a 40.000 por ano. Na Região Metropolitana de São Paulo (16
milhões de habitantes), contam-se mais de 60.000 mortes desde de 1983, mais mortes que no
exército americano no Vietnã (56.000 óbitos,...); a tais mortos, é preciso juntar
os feridos, muitos dos quais ficaram física ou mentalmente incapacitados para a vida(...)
Ora, a situação só tem agravado de ano para ano: na Região Metropolitana de São
Paulo, em meados de 1970, contavam-se 800 mortes por homicídio todo ano; a partir de
1989, esse número ultrapassa 6.500, ou seja, oito vezes mais. Essa explosão da
violência não tem relação com o aumento da população, uma vez que o índice de
homicídios foi multiplicado por seis entre 1975 e 1989."
As
razões dessa vertiginosa violência são multivariadas e de difícil discernimento. De
fato, elas decorrem de uma universal complexidade de fatores que multiplicam-na, e, longe
de se querer abordá-las amiúde e esmiuçá-las, o que exigiria esforço e pesquisa
árduos, face à importância do tema e da exigüidade temporal, não é despiciendo citar
alguns autores, os quais são unânimes, ao menos, quanto às principais causas e
aspectos, ou seja, delineiam como sendo: "fatores sócio-econômicos;
institucionais; a desagregação da família; omissão da igreja católica; demografia
urbana; empresa midiática; a globalização; etc." - some-se também outras
igrejas, religiões, seitas e doutrinas.
A miséria impele
ao roubo e à prostituição, porquanto num "lar que não há pão não há razão"
e "barriga vazia não tem ouvidos" e menos ainda escrúpulos, são ditos
da sabedoria popular. Logo, a pobreza e a fome andam de mãos dadas, entre as camadas mais
pobres da sociedade onde a subsistência é perversamente precária, posto que é
humanamente impossível se viver condignamente com um mísero salário-mínimo de R$
151,00, onde o emprego não acompanhou o aumento demográfico como em algumas cidades
do discriminado e esquecido Nordeste, onde está impregnada e acentuada a prostituição
infantil e pelo chamado turismo sexual, onde nossas crianças e adolescentes estão
a mercê dos gringos e sulistas inescrupulosos que acorrem às cidades
litorâneas da região, para à saciedade saciarem suas libidos libertinas, mais da vez
com a anuência dos paupérrimos pais, conluio das polícias militar e civil e conivência
doutras autoridades maiores
Doutro lado, o
desemprego ou a ausência de ganho gerados com a recessão econômica porque tem passado o
nosso País, conseqüência de irresponsáveis e gananciosos planos econômicos em
que poucos especuladores têm aviltado e solapado as finanças e o erário do tesouro
nacional, têm levado à tentação da ilegalidade e ilicitude da imensa maioria da
população com a aplicação da famigerada lei de Gérson. Aliás, Rui Barbosa
previra: "chegará o dia em que o homem sentirá vergonha de ser honesto."
Neste País, ser
ladrão é mais bela, mais segura e mais rentável profissão, mormente os do chamado colarinho
branco, fraudadores do INSS(Previdência Social), construtores dos TRTs, vendedores de
sentença, dos bancos(Marka, Nacional, Econômico), da máfia dos anões do orçamento
e sonegadores do Imposto de Renda.
Na sociedade
brasileira, uma das mais desiguais e das mais estratificadas que existem no mundo, estão
simultaneamente presentes a mais perversa pobreza e extrema miséria com a mais fabulosa
riqueza; "é o país dos privilégios; a recessão retardou a mobilidade social e,
ao mesmo tempo, privou o povo da esperança. Para muitos, o excesso de riquezas, tão
visível, é uma provocação, donde a tentação ao roubo e dinheiro fácil."[3]
Logo, não basta
apenas vestir branco e fazer imensas romarias e menos ainda acenderem-se velas com o
escopo de minimizar ou combater a violência. Pois, enquanto for assegurado a cada
brasileiro a faculdade de matar seu semelhante e continuar sendo primário e,
também, se assegurar o direito de responder o processo em liberdade,
benefícios da Lei Fleury e do Sursis; enquanto cada recluso for posto em liberdade após
um terço do cumprimento da pena; enquanto houver o livre comércio de armas legais
e drogas lícitas; enquanto houver o paulatino, tenaz e sorrateiro tráfico de drogas e
entorpecentes minando nossas fronteiras e invadindo nosso País; enquanto ditas autoridades
gozarem de prerrogativas, privilégios, imunidade(entenda-se impunidade)e auferirem gordas
e estratosféricas gratificações(auxílio moradia, refeição, etc.), gozarem 3 ou 4
meses de férias e recessos, que os tornam mais iguais que os iguais; enquanto houver essa
má distribuição de rendas e perversa concentração de riquezas nas mãos de
pouquíssimos e houver verdadeiras legiões de miseráveis e de excluídos, a violência
irá aumentar mais, mais e mais, a cada dia, a cada mês, a cada ano.
Maceió,
11 de julho de 2000.
*Servidor
público militar estadual no posto de Ten. Cel PM e Bel em Direito pela Ufal.
Notas
[1] Gouveia, J. F. de,
Assistência Jurídica - implantação na PMAL - Monografia - CAO/III - CAES-PMESP, São
Paulo, 1989, p.68.
[2] "O aumento da violência criminal no
Brasil" in Revista a Força Policial, São Paulo, nº. 9, jan./mar. 1996, p. 8,
tradução de Luiz Gonzaga de Freitas. Primeira publicação em português.
[3] Jean-Claude Chesnais, ob. cit. id. ibid. p. 20.
*Publicado em o Jornal de Alagoas de 08 de outubro de 2000. |